terça-feira, janeiro 20, 2009

Outra de camionetas...

Estou no ônibus, cedo da manhã, linha 31, que vai prá Damaia e, no caminho, me deixa a uma quadra e meia da Abraço. O ônibus pára na segunda parada de Moscavide.
Releio a Sábado da semana, depois de ter me abancado num daqueles assentos individuais, há uma parada atrás. São quarenta e cinco minutos até o destino, dá prá relaxar.

As pessoas vão entrando rapidamente, todas apressadas e parecendo atrasadas. Vêm sérias e de alguma forma ocupadas com as suas coisas.
A motorista que conduz o ônibus (é uma mulher) arranca e logo pára na esquina da avenida, esperando a vez prá entrar, depois de ter fechado as portas do coletivo.
Ouço uma batida forte no vidro da frente.
Assusto-me e deixo de lado a revista, tentando perceber o que acontece lá fora.
Mais batidas no vidro, desta vez mais fortes, como se alguém estivesse a socar o veículo, na tentativa de fazê-lo parar, provavelmente para entrar. Socar não é bem o termo, melhor seria dizer esmurrar.
Olho prá fora e vejo uma moça de uns vinte e tal anos, bem arranjada, com ar intelectual. É ela. Bate insistentemente, como se não fosse desistir.

- Abre!
A motorista grita, diz que não abre.
Ela grita ainda mais forte e exige que a porta seja aberta.
A motorista se irrita, tenta arrancar, repetindo que não abre a porta. A moça se agarra ao veículo, como quem tenta impedir que ande, de braços abertos e olhar impassível. Ficam assim alguns minutos, a medir forças. A motorista tenta conduzir de forma a sair do impasse, a moça não arreda pé e o ônibus chega a andar uns metros, devagar, com ela grudada à frente, como a impedir a passagem e o andamento.
Nós todos ali dentro, uns oito, perplexos.
A motorista manda a moça sair e ameaça que vai chamar a polícia. A moça não sai e continua na mesma ridícula posição, agora parecendo querer empurrar o ônibus para trás.
Começo a ficar nervosa com aquilo, já quase levantando e tentando intermediar, quando a porta é aberta e a moça entra, finalmente, aos gritos.
- A senhora é muito desumana, não custava nada abrir-me a porta. A próxima camioneta só passa daqui a vinte minutos e eu não posso chegar atrasada ao trabalho, dependo dele e tenho filho prá sustentar.
- E você é muito mal educada. Não podemos abrir portas fora das paragens, seja pelo motivo que for. Só abri mesmo derivado aos passageiros que estão aqui dentro. E se eu lhe desse uma mocada? Eu era culpada? Você não estava na paragem. Não sou obrigada a abrir. Eu podia ter chamado a polícia, mas as pessoas aqui dentro também devem estar indo para o trabalho, era falta de respeito com eles. E prá além, fazia parar o trânsito. A menina acha isso normal?
- Não estava mesmo na paragem, mas a camioneta estava parada, esperando prá entrar na avenida, o que custava abrir-me a porta, pá?
Um senhor, sentado bem à minha frente, resolve envolver-se na briga, defendendo a motorista e batendo boca com a moça, mandando ela levantar mais cedo e outras coisas.
A motorista se queixa da estupidez da moça e diz que estava na rua desde as cinco da manhã, que devia ser respeitada, então achava ela normal atirar-se à frente da camioneta, daquela forma, feito uma desalmada?

A outra rebate que também, que está na rua desde cedo e exige o mesmo respeito.
Uma senhora ao meu lado, diz calmamente ao senhor à minha frente que a camioneta já havia fechado as portas, mas não havia saído da paragem, portanto, as portas deveriam ter sido abertas. Essa é que é essa. Sim senhora!
Eu não digo nada, apenas ouço e vou virando a cabeça, ora prá um lado, ora pro outro, tentando ver onde termina a confusão.
Depois pego uma caneta e começo a anotar numa das folhas da revista que vinha lendo, para não perder os detalhes.

Na parada seguinte, entram mais passageiros. As duas continuam aos berros, impassíveis, a um ponto quase irracional.
As pessoas se olham de forma curiosa, sem nada entender, mas vão entrando, afinal todos têm pressa e precisam chegar a algum lugar.
Brevíssima trégua.
A motorista arranca de novo e retoma a discussão inflamada.
Já ninguém se mete, nem o velho, que ainda vai à minha frente.
Fico pensando que a atitude não combina muito com a moça, com aquele ar de intelectual, mas depois, olhando bem, noto um ar meio pro esquisito. Tento adivinhar que motivos tão fortes levam uma pessoa a agir de forma assim tão extrema.
Ao mesmo tempo, vêm-me à mente que alguns motoristas até param fora das paragens, quando necessário, mas curiosamente são motoristas homens. Seria pelo fato de ser uma mulher, ali, no caso? Não creio. Mas é fato que as mulheres, pelo menos as daqui, parecem ser mais rígidas com as regras. Sei que parar não pode, estando fora das paragens, deve ser até proibido a eles fazerem isso. Mas alguns fazem, já vi muitas vezes. E não houve crise.
Elas continuam a discussão, indiferentes a tudo.
Começo a ter medo de que se peguem, que vão mesmo à luta e chego a ver a motorista levantando do seu lugar e atirando-se aos cabelos da outra, sentada no primeiro banco, bem atrás dela, apenas separadas pelo vidro, tal é o calor da contenda.
Mas não. Ainda bem que não. Havia de ser um fiasco engraçado.
Felizmente, algumas paradas depois, a moça desce e o ônibus volta a ficar em silêncio. Uns recomeçam a ler o jornal, outros encolhem-se cheios de frio, dentro dos seus casacos e cachecóis, parecendo olhar um ponto fixo qualquer lá fora, como quem não tem nada a ver com coisa alguma.
Eu volto a espiar a revista, já mais descansada, mas pensando ainda no assunto.
E rio sozinha, sem que os outros vejam.
Gente mais doida...

Agora, contando, a cena já me soa engraçada, mas na hora fiquei mesmo
aflita.
Nunca tinha visto alguém ter uma atitude destas, de tentar segurar um ônibus em andamento.
Francamente, as pessoas vivem a surpreender-nos.

2 comentários:

Jotta disse...

Tudo anda fora do normal! A vida anda fora do normal, o mundo anda fora do normal, o tempo anda fora do normal. E, claro!, as pessoas andam fora do normal. Agora bem mais pessoas fora do normal porque há algumas que já há muito que andam fora do normal...

helo flores disse...

hahahahaha...
Grande observação, amigo querido!
E tu, como andas?
Bom te ver por aqui.
Abração bem grandão.