terça-feira, agosto 26, 2008

Post 401

Comecei a escrever neste blog no dia 17 de novembro de 2006. De lá prá cá, foram quatrocentos posts.
Poucos, verdade. Podia ser mais.
É que a gente nem sempre tem assunto ou, se tem assunto, às vezes tá sem vontade. E há os tiltes.
É preciso alguma ( e põe alguma nisso!) disciplina prá postar diariamente. E eu, confesso, sou um tanto indisciplinada. Aliás, eu sou muito indisciplinada.
Se vira rotina, não vou.
E a obrigação sempre me inibiu.
Sério.
Quando estava no científico (a gurizada não passou pelo científico, mas explico, equivale ao segundo grau de agora), lá no Colégio Nossa Senhora de Lourdes, em Pelotas, tínhamos uma professora de Português que adorava chegar na aula e mandar tirar uma folha prá fazer uma redação livre, em vinte minutos ou coisa que o valha. E a gente ficava tomado de terror pelo tempo exíguo e pela falta de assunto momentâneo. Eu ainda era pior, odiava ser obrigada a fazê-lo. Encher vinte e cinco linhas em um rascunho e depois ainda passar a limpo.
Como não havia outro remédio, então começava assim:

"Vejamos o que eu poderia dizer em vinte minutos, numa folha de vinte e cinco linhas, com palavras cuidadosamente passadas a limpo, de forma a parecer um assunto coerente aos olhos de uma professora atenta e especialmente exigente que, ao ler isso, pode me dar um dez ou um zero.
Estou nas mãos dela e isso, em princípio, me incomoda.
Viajo por algum tempo a olhar o papel e a rabiscar florzinhas, pensando que poderia falar dos problemas do cotidiano, do aumento dos preços, da violência, da criminalidade crescente, das meninas que se prostituem ainda adolescentes, dos pais que abandonam os filhos e uma infinidade de coisas mais e más. Enfim, tentar passar a idéia de que não sou uma alienada neste mundo. Depois ver os prós, os contras, os motivos, as conseqüências, analisar, concluir.
Olho para o relógio do corredor e vejo que já se passaram dez dos vinte minutos concedidos. Só tenho mais dez para escrever e passar a limpo. Mas o assunto não se materializa em letras no papel.
E ainda tenho a Nara Catarina sentada atrás de mim, a cutucar-me e perguntar sobre o que escreve, pedindo ajuda, já que sempre me socorre nas aulas de matemática, a mim e a todo o resto da turma.
Já faltam só nove minutos e ainda nem sei sobre o que vou falar, quanto mais ter idéias e dá-las à Nara. Mas ela merece, então arrisco e digo-lhe que escreva sobre o que ela mais gosta de fazer e que, com certeza é esporte. Ela aceita a sugestão e afinal posso me concentrar na minha redação.
Espio a professora, ela me retribui o olhar com cara de quem percebe que eu ainda nem tenho idéia sobre o que vou escrever. Estou aqui a rabiscar isso, meio sem convicção, sinto o tempo se esgotando e ela ri. Para mim ou de mim, não sei precisar ao certo.
Resolvo que vou falar sobre conflitos de gerações e acabou. Afinal é um assunto super em voga e ela pode achar que vale uma boa nota e me dar. Só tenho que cuidar a construção do texto, respeitar os quesitos introdução corpo e conclusão, argumentar a favor, argumentar contra e depois colocar a minha idéia sobre o assunto. O resto é com ela.
Decididamente, tenho aversão a situações de obrigação. Não funciono sob pressão.
Um dia ainda escrevo uma redação sobre isso".


É claro que o tempo esgotava e não me sobrava remédio senão entregar aquela folha cheia de divagações, embora meio fora dos moldes, mas que não deixava de ser uma redação. Contava as linhas, geralmente ultrapassava em duas ou três as vinte e cinco, mas eu nunca fui muito preocupada com isso. Passava a limpo correndo e entregava, esperando o estouro da boiada na aula seguinte.
Nunca houve.
Acabei acreditando que a mulher gostava e não só, também divertia-se com aquilo. Sempre me deu boas notas.
Professora esquisita. Alta, magra, muito branca, fazia jus ao nome , Clara. Nervosa, distante e um tanto fechada, era descendente de poloneses. Um dia me mandou sair para fora da aula porque eu, distraidamente, coloquei a mão no braço dela, prá lhe fazer uma pergunta, dizendo que não admitia intimidades com os alunos.
Depois de muito tempo fui entender o comportamento dela, rígido.
Mas na altura fiquei foi bem indignada.

As coisas de que a gente lembra...
Tudo isso prá confirmar que realmente tenho uma aversão bem acentuada a situações de pressão, sobretudo nas questões da escrita. E que não é de hoje.
Isso explica, mas não justifica, sei.
Mas não custa esclarecer.
A Nara Catarina, nas poucas vezes em que nos encontramos mais recentemente, morre de rir contando essas passagens. Essa desgranida pegava um papel e ficava filosofando, enquanto a gente se escangalhava toda e enchia o chão de folhas amassadas prá escrever uma redação que prestasse e nunca tirava mais do que um Sete. Ela só metia Dez e nem caderno tinha.
Que raiva que dava. Mas no fim era divertido.
Pura sorte, digo eu. A mulher era esquisita, mas me entendia, fazer o que?

Em contrapartida, sou persistente. Ah, isso sou!
Pelo menos me acho assim.
Quatrocentos posts (agora quatrocentos e um) não é grande coisa. Nem me atrevo a calcular a média, desde que comecei até agora. Até porque números nunca foram o meu forte, apesar de ter trabalhado quase vinte cinco anos em um banco, onde tudo são números. E a Nara Catarina pode confirmar isso, não fosse ela, eu nunca teria tirado um Oito em matemática, naquela mesma época. Nesse caso, a aversão era ainda muito maior, simplesmente bloqueava tudo, não tinha jeito.
Mas o fato é que estou aqui, depois de quatrocentos posts. Pouco ou muito, pretendo continuar.
A menos que a emergência me leve pela mão, como dizia a Emily Dickinson.
Ou não era ela?
Meu Deus, isso não é memória, é uma leve impressão.
Esqueçam...

Por ora é só.
Volto mais tarde.
Beijos, gente!

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