sexta-feira, outubro 17, 2008

A sexta-feira, o jogo no euromilhões e o seu Manél

Ai...sério, não deu vontade de grandes esmeros. Larguei a vassoura e que se dane.
Fiquei conversando com o Rodrigão o maior tempão. Viajamos que foi uma beleza. Eu já disse, essa família Flôres Görski não é molezinha...Mas é bem bom.
Depois resolvi ir ao Vasco da Gama, ver se achava um GPS que ele queria.
Na paragem da camioneta (parada de ônibus) encontrei lá o seu Manél, que foi se chegando e pedindo licença prá sentar ao meu lado no banco da paragem. Cá prá nós, eu nunca o tinha visto mais gordo, mas ele foi largando a sacolama toda do outro lado e sentou mesmo ao pé de mim, como se fosse um velho conhecido.
Achei graça naquilo.
E ele, totalmente dado, foi logo entabulando uma conversa louca de comprida.
- São as minhas pernas, sabe... Eu quero andar, mas elas não me acompanham.
Tô com 86 anos. E já fiz sete operações. O coração, ó (e batia no lado esquerdo do peito) esse tá que é uma bomba. Tiraram uma veia da perna e puseram aqui, tás a perceber?
Fiz que sim e perguntei se tinha feito ponte de safena.
Ele não sabia o que era.
Mas expliquei e vi logo que falávamos da mesma coisa.
Pois. Tenho 86 anos e escrevo. Poesias e poemas.
Quando tinha nove anos ganhei o meu primeiro prêmio.
Depois me disse que a última operação tinha sido de um tumor no intestino, mas que tava tudo certo, tudo ok. Não ficou nada. Nada mesmo.
Mas quando me levaram prá recuperação, fiquei muito tempo lá, mas não vi nada, tava dormindo. Anestesiado, percebes...Pois. E lá só havia uma maca. E teve outro operado, um tal de seu Ramires, que chegou depois e precisou da maca. Eles me jogaram lá prá enfermaria. E o seu Ramires, esse que estava lá também operado, falava: Seu Manél, o senhor dorme muito.
Eu dizia prá ele que as medicinas sempre me disseram que dormir faz bem prá saúde. Ele então me disse: Então deixe-se dormir, pá!
Eu já ali pedi licença a ele e fiz um poema.
E recitou-o todo ali mesmo, prá toda a gente ouvir.
O velhote era mesmo animado.
E a conversa foi indo.
A esta altura já começava a encher a paragem de gente. Todos prestando atenção à conversa do seu Manél.
Eu virava pro outro lado prá ver alguma coisa que me chamava a atenção e ele me batia no braço ou me puxava.
- Com nove anos ganhei o meu primeiro prêmio de poesia, sabe? E eu era o único infantil, os outros todos mais grandes do que eu, mas tirei primeiro lugar. Noutro dia escrevi um poema prá minha mulher. Ela morreu em 2006. Levei dois anos prá conseguir, mas agora escrevi. Levei cinco horas, suei tanto. Mas ficou muito bom.
Olha, repara aqui...senhora ou senhorita?
-Senhora - respondo eu, a rir.
-Pois, senhora, repare - E foi levantando na maior dificuldade, gemendo um pouco.
- Veja se isso lhe diz alguma coisa.
Tirou um papel dobradinho da carteira que tava no bolso e começou a ler em voz bem alta o poema que tinha feito prá mulher.
Ao fim, elogiei o escrito e ele ficou todo orgulhoso.
A platéia muito atenta, só faltou aplaudirem.
Logo no início da conversa, quando falei a primeira palavra, foi perguntando:
- É brasuca, pois não?
- Sou sim.
- E de que parte do Brasil?
- Do sul, do estado do Rio Grande do Sul. Conhece?
- Olha, eu já fui mais de 120 vezes ao Brasil, conheço aquilo tudo. Mas o vosso estado não conheço. Trabalhava no Navio Santa Maria, já ouviu falar?
Trabalhei quinze anos na Marinha de Guerra, também. Recebi uma condecoração por ter salvo mais de oitenta pessoas. Até na Austrália salvei gente. Andei por tudo nessa Europa. França, Áustria.
O velhote me tonteava e toda a gente me olhava, deviam estar achando que éramos velhos conhecidos.
Ainda houve mais assuntos, mas não dá prá lembrar de tudo. E cada coisa foi falada umas três vezes, no mínimo.
Um senhor muito giro, como dizem por aqui. Castiço mesmo.
Passou o ônibus do Campo Grande, o do Areeiro e ele não se mexeu. Quando chegou o da Gare do Oriente, que era o meu, achei que levantava e seguia o rumo. Mas ele não fez nem sinal, continuou bem sentadinho ali no banco. Viu que eu ia seguir e resolveu se despedir em alto estilo. - Olha, que tudo na vossa vida dê certo e que chegue até os 120.
- 120, Seu Manél, tudo isso? Ora, muito obrigada ( e fiquei pensando que 120 também eram as vezes que disse ter ido ao Brasil)
- Pois, 120! E sem nenhum problema. Muito gosto, minha senhora! Adeus.
Agradeci e desejei o mesmo a ele, depois entrei no ônibus, rindo sozinha.
Ganhei o dia.
Ah...sim!
O Euromilhões...ia mesmo esquecendo.
Joguei uma cartela cheia, com os números que o Rodrigão me deu.
A ver vamos.
Ganhasse qualquer coisa, havia de publicar os poemas do Seu Manél, ah...pois era.

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