quinta-feira, abril 28, 2011

S O R T E L H A

Visitei Sortelha pela primeira vez em 2003.
Tempos encantados em que um castelo fazia diferença.
Apaixonei-me por Sortelha assim que a vi.
Mas era pelo castelo e pelo que havia lá dentro. Do resto nunca soube. Ou pelo menos nunca me detive.
A população preferiu progressivamente instalar-se em zona mais fértil e menos acidentada, formando a vila na parte de baixo. O Castelo é o ponto mais alto da vila e hoje são poucas as pessoas que lá vivem. A maior parte delas são idosas. As casas foram sendo compradas por pessoas que as usam como casas de temporada. Alguns as tem para aluguel, para pernoites dentro do castelo. Foi uma forma de manter tudo conservado.
Na primeira vez em que fui, conheci uma senhora que fazia cestinhos de vime, minha mãe tem até hoje um que levei de lembrança. Fiquei ali conversando e perguntando coisas da vida das pessoas do lugar. Ela sorria com seus enormes olhos azuis, tão azuis como o céu de Sortelha e continuava a fazer cestos, como quem tem um tique imparável. Devia ser descendente de celtas, com aqueles olhos.
Dali mesmo, de um orelhão, liguei à minha mãe:
_ Ô mãe, isso aqui é tudo muito bonito. E frio. Mas não há neve - era novembro, neve mesmo só um bocadinho lá em cima, na torre da Serra da Estrela. Prá eu poder tocar e sentir que era gelada, mas não molhava. Nevinha de amostra.
A minha mãe, na primeira vez que vim, tinha muito medo que eu caísse nas mãos de alguma quadrilha, dessas que sequestram as pessoas para tirarem-lhe os órgãos e vender. Mãe tem essas coisas.
_ Ô mãe, ainda tô aqui com todos os meus órgãos!
_Que guria bem louca! Deixa de dizer bobagem. E estás gostando da viagem? Me conta, é como nos livros?

Sortelha caiu-me no goto, desde a primeira vez, é verdade.
A casa onde dormimos era a Casa da Lagariça, que ficava fora dos muros do castelo, descendo a rua, na noite que cheirava a fumo das lareiras acesas e a assados. Fazia um frio de rengueá cusco, como se diz lá no meu sul. E comemos carne de javali ou outra caça qualquer, no Restaurante D. Sancho. Lareira acesa, paredes de pedra, candeeiros rústicos e os únicos clientes éramos nós, atendidos pela proprietária. Uma simpatia.

Voltei a Sortelha no feriado de Páscoa, com o grupo de autocaravanistas.
Continua lindíssima.
A vista desde o castelo é inesquecível.
A dona Felismina continua lá, fazendo os seus cestinhos. Um pouco mais velhinha, agora com 87 anos. Reconheci-a pelo azul dos olhos. Iguaizinhos.


Fui tomada por uma espécie de alegria infantil ao vê-la, sentadinha não na mesma pedra onde a encontrei pela primeira vez, mas ainda num banco feito na pedra, sempre a mexer as mãos mágicas de transformar vime em cestinhos. Uns com tampa, outros sem, vai tirando o vime de um feixe e os apetrechos de dentro de uma sacola de couro, pousada aos seus pés. E com uma agulha grossa, vai prendendo o vime, com um fio mais fino. Conversamos. Ela pôs-me a par das coisas acontecidas nesses oito anos. Como duas amigas que não se viam há anos. Continua a vestir-se de preto, da cabeça aos pés, viúva eterna do seu marido querido que foi-se há tempos e de quem ela jamais esquece. E continua a viver sozinha e Deus em uma das casinhas dentro dos muros do castelo. Os vidros das janelas muito limpinhos e as cortininhas rendadas todas muito branquinhas. Casinha de boneca. E a simplicidade a sair-lhe pelos olhos azuis. Poucas vezes saiu dali e foi só a passeio.
Uma história bonita.











A outra história é a da Sylvie e do Marco. Ambos franceses, filhos de portugueses emigrados para a França. Ele, nascido nos Alpes franceses; ela, nos arredores de Paris. Vinham passar as férias na terra, como se diz aqui. Ver a família. Ela sonhava em viver em Sortelha. Encontraram-se numa dessas férias e apaixonaram-se. Casaram e vieram viver ali. Faz agora oito anos (ou serão doze? Não, doze são os anos que ele vive em Portugal, ela veio depois) São donos do bar mais simpático do castelo, o Bar Campanário. Ela também trabalha como guia ali dentro. São felizes e dá prá ver no brilho dos olhos e no sorriso sincero.
Prometi a ela que falava bem de Sortelha aqui no blog. Mas nem era preciso pedir.
Sou encantada com aquele lugar e falo isso a toda a gente.
Vale a pena conhecer Sortelha, é uma das aldeias medievais mais bonitas e interessantes de Portugal.




Ah...sim, a Casa da Lagariça continua lá. Muito bem cuidada.



O Restaurante D. Sancho também está no mesmo lugar e continua tendo um ar extremamente aconchegante. Entramos prá tomar um café no andar de baixo, não resisti a curiosidade de ver de novo aquilo por dentro. As cabeças de alce ainda estão nas paredes e os olhos deles não param de nos olhar.
A lareira, os móveis, o cheiro, tudo igual.
Um lugar de se estar na maior, a saborear a melhor comida da região, regada a um vinho especialíssimo, à beira do fogo, no inverno.
Irresistível Sortelha, isso é o que é!

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