E, claro, a minha mãe Hélène num dia qualquer previu isso. Como não poderia deixar de ser. Cá estou, desde que acordei, enfiada de ponta cabeça em tudo quanto tiver a ver com música, poesia e criação. Nestes dias, dizia ela, nada mais vai existir...como um mergulho prá dentro de ti. Ela sabia. E sabe. Sempre vai saber. Em pequena, quando eu sumia, andava enfiada por algum canto, olhos grudados nas página de algum livro, hipnotizada e alheia. Nem comer...nem banho, nem brincar, nem nada. Não havia horas, nem lugares, o tempo era meu. Depois vieram os escritos. Horas a fio embrenhada no emaranhado das letras, a escrever as palavras que não ousavam sair pela boca. Ela guardava tudo isso em uma caixa, como quem guarda um tesouro. Mas um dia, em uma das tantas mudanças, a caixa se perdeu junto com uma pluma enorme e muito branca, que adornava o chapéu usado algumas vezes, quando era baliza da banda marcial do colégio Dom João Braga, em Pelotas. Não importa, mãe,ficou tudo gravado em mim. Foi ela quem vislumbrou que nesses dias eu não faria nada mais. E que dificilmente alguém conseguiria penetrar neste mundo, a não ser que voasse os mesmos vôos, de asas iguais. Há dias assim, é verdade, mãe. E só nós sabemos o quanto eles são parte de mim e eu sou parte deste mundo de fantasias infinitas. A voar...sem rumo e sem tempo, à procura do inusitado. Se sou assim, é porque um dia - e só podia vir deste laço - a senhora conseguiu ver e entender. Obrigada, mãe, por ter me ensinado a ser livre e mostrado o quanto a liberdade é sagrada.
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