sexta-feira, abril 17, 2009

Forró


Nos braços do parceiro, Maravilha rodopiava e enchia de jinga e malícia a pista e os olhos dos presentes.
Já dançava na casa fazia sete anos e agora era a vez de mostrar tudo o que sabia, naquele concurso de dança ligeira.
Esmerava-se, maravilhosa.
O companheiro, nem por isso. Fazia todo o esforço, mas não era nenhum exímio bailarino. Tinha uns sapatos jeitosos de dança e era o que se tinha podido arranjar.
Na mesa da frente, o coro gritava: Ma-ra-vi-lha... Ma-ra-vi-lha!
Aquilo prá ela era música, sorria para dentro e para fora e deixava-se levar pelo embalo da sanfona.
Os aplausos não cessavam quando foram aclamados vencedores.
E ela, toda sorrisos, foi receber o prêmio junto com o parceiro de dança.
Entregaram-lhe um papel e outro ao companheiro. E cada um foi para o seu lado, tratar da vida.
O prêmio: dois sanduíches de hamburger e dois refrigerantes.
Às quatro e meia da manhã foi até a Hamburgueria e trocou o vale brinde por um sanduiche. De frango, porque já há muito tempo evitava as carnes vermelhas. E as duas garrafinhas de refrigerante por uma latinha de guaraná. Comia e lembrava da infância em um lugar distante, quando o irmão disputava concursos do tipo quem engolia o maior tamanho de cordão mais rápido (de mentirinha) num show de auditório e ganhava engradados de refrigerantes. E elas (ela e a irmã mais nova) cantavam pérolas da Jovem Guarda, vestidas a caráter. Uma vez ela foi vestida de pescadora, carregava um caniço com anzol e tudo, e cantava uma música do Erasmo Carlos.
Bons tempos aqueles.
O lanche tinha acabado quando vieram lhe contar que o parceiro acabara ficando sem prêmio algum. Que houvera engano.
O prêmio que ela trocara era para os dois, para o casal vencedor. O outro foi retirado ao rapaz e entregue ao segundo colocado, que não era um casal, mas um travesti pequenino, que devia vestir tamanho 34 ou 36 e que dançou sozinho. Tão engraçadinho naquele vestido de dança. E também porque estava de aniversário, só podia ser isso. Mas dançava bem, dizia ela.
- É pequenininho, magrinho e engraçado, mas dança muito. Foi merecido.
Pensando bem, acabou por achar que o seu primeiro lugar era o reconhecimento pela trajetória ao longo de mais de sete anos a dançar ali naquela casa de forró.
Afinal, todos a conheciam. E reconheciam.
Maravilha maravilhosa, professora de uns quantos, amiga, vizinha, funcionária exemplar do banco, colega da universidade, membro da comissão de síndicos do seu prédio, parceira de dança apaixonada por forró e mãe extremada de três filhos bem encaminhados na vida. Não é pouca coisa. É muito.
Riu sozinha enquanto sacudia displiscentemente uma migalha do sanduíche caída no vestido e apanhava a bolsa prá ir embora.
Na saída deu com o travesti pequenino entrando esfuziante e esbaforido com as três amigas, pedindo para trocar o prêmio (um sanduíche de hamburger e dois refris) por quatro coxinhas de frango e um refrigerante de litro.
Achou imensa graça naquilo e foi-se embora feliz.
Tinha a noite ganha.
* Maravilha é uma personagem que passa a fazer parte das histórias contadas neste blog, a partir de hoje. Em breve, mais um capítulo.

Um comentário:

Raquel Gorski disse...

Qualquer semelhança com a realidade é MARA coincidência!!!!