quarta-feira, novembro 16, 2011

Ao meu menino.




Não foi a falta de coragem, foi muito mais o receio de não conseguir expressar aqui com palavras exatas tudo aquilo que eu gostaria de dizer.
Mas ele merece que eu diga o que quer que seja, qualquer coisa que venha direto do coração, porque na certa estaria lendo isso agora, como sempre fez com tudo o que escrevi. Da mesma forma que eu nunca deixei de acompanhar seus passos, a despeito das distâncias e dos desencontros.
Era o meu guri.
Umas vezes rebelde, é certo.
Polêmico na essência.
Livre. Nunca aguentou amarras.
O meu guri mais novo. Meu pai, às vezes. Noutras, irmão. Parceiro incondicional de inventivas, companheiro de desafios malucos, mas sempre cheios de significado.
Amigo com quem sempre dividi sonhos, idéias e realizações. Mesmo agora, mesmo depois de cada um de nós termos seguido o nosso próprio caminho. Nunca, nada nos impediu de cultivar o vínculo eterno de cumplicidade que nos uniu em um dia de novembro de 1977.
Se fosse resumir em uma palavra (fosse isso possível), a palavra seria: único.
Mas uma vida não se resume.
Escreveu-me uma e somente uma carta. E esta sim, resumiu tudo o que poderia ter sido dito até o fim. Ainda há poucos dias encontrei esta carta e li repetidas vezes. Depois guardei assim, dobradinha em forma de flor, meio borboleta, do jeito como veio, duas folhas daqueles blocos pautados, de papel fino, quase transparente. Perfumada. A mesma letra que encontrei ontem em umas anotações, junto de uns discos de vinil que eram nossos, e que dizia muito da personalidade dele. Firme! Intensa como uma força da natureza, como bem define o nosso
amigo Guto Pinto.
Em tudo meteórico, em tudo absoluto, que meios termos nunca lhe serviram de rumo.
Desafiava os dias a serem capazes de lhe dar respaldo e lugar para todas as coisas sonhadas.
Faltava-lhe tempo, sobravam-lhe sonhos.
E estar feliz era estar no meio de todas as gentes que ele queria e que lhe queriam e que, de cada um, sabia o pouquinho mais importante.
Era movido pela paixão. Pelas pessoas, pelas idéias das pessoas, pelos sonhos dos outros, que acabavam por se confundir com os dele. E todos juntos formavam a sua grande família, com quem compartilhava tudo o que tinha, aquilo que pensava e sobretudo o seu tempo.
Amava profundamente, mas tinha dificuldade em expressar o amor em palavras ou manifestações de carinho usuais. Fazia-os em atos que, muitas das vezes nem eram percebidos.
Como todo o ser humano, tinha defeitos que nunca tentou esconder e que acabavam por se tornar irrelevantes diante do impacto imenso das suas qualidades.
Amava o futebol, não pelo futebol em si, mas pela possibilidade da convivência sadia e da peculiaridade de tornar todos iguais, sem quaisquer distinções.
Era competitivo, era.
Mas nunca sem um significado, nunca sem que tudo fizesse sentido.
Viveu a pleno.
Às vezes foi kamikaze.
Mas menos nunca lhe bastou e disso sabíamos bem.
Quando entrou para a vida pública, nós, eu e os filhos só pedimos a ele que nunca, em hipótese alguma, fugisse da sua essência, que era o que de mais lindo tinha. Mas nem precisava, nem ele iria conseguir, mesmo que o quisesse.
Era genuíno como poucos.
Talvez a pessoa mais autêntica de que já tive notícias.
E orgulhou-nos a todos com o seu trabalho, a sua conduta e o seu exemplo.
Ensinou-me muito. Amou a música que eu amava. Incentivou-me a cantar a minha alegria, que acabava enfim por ser a alegria dele. Por mim mesma, por ele e pelo meu pai, que me ensinou a cantar, quero isso cada vez mais. Vou cantar, sim. Mostrar o que me vai na alma. Sei que era o que ele queria que eu fizesse, porque sabia que assim eu era feliz.
Deu-me boas lições de solidariedade, de despreendimento e de desapego. Muitas das coisas que hoje faço são inspiração do que de mais bonito vi nele. Tornei-me melhor. E agradeço imensamente por isso.



Em troca, ensinei-lhe a amar a lua, que ele ensinou muitas outras pessoas a amar também.


Certamente, o fato de perder toda esta referência, a possibilidade do convívio, ainda que à distância, de ouvir a voz, de ver, de manter o contato, o vínculo, a amizade verdadeira e a parceria incondicional, são uma pena dura demais para mim e para todos que o amavam pelo simples fato de ele ser quem ele era e como era: simples e verdadeiro.
Resta tentar pensar, ainda que com o coração dilacerado pela tristeza da perda, que em algum lugar muito especial, ele estará profundamente envolvido em uma nova missão, tão ou mais importante do que a que cumpriu entre nós, onde ele seja realmente imprescindível.
Só assim nosso coração ficará em paz.

Meu menino, fizeste profunda diferença neste mundo e para todos nós.
É lindo olhar tudo o que construímos juntos e lembrar da forma como tudo foi feito. Tivemos a nossa caminhada com os olhos na mesma direção. E me fizeste ver o real valor da liberdade. Podes ter a certeza de que sempre te compreendi. E pelas coisas não tão boas, sempre te perdoei e tu também me perdoaste. O que ficou foi só o que foi bom. Sabes que é assim.
Desejo do mais fundo do meu coração que, estando onde estiveres, estejas sereno e verdadeiramente feliz.
Obrigada por cada segundo que nos dedicaste. Por cada olhar, por cada sorriso, por cada palavra e por cada gesto.
Obrigada por existires em nossas vidas.
Estarás comigo e com os nossos filhos para sempre.
Segue em paz, vai revolucionar outros mundos e leva contigo o nosso amor mais profundo.

8 comentários:

Anônimo disse...

Lindo!!
Vou repetir o que o João Lemes escreveu algum tempo atrás e que eu concordo plenamente...Heloísa a eterna musa do Chicão!

Márcio Brasil disse...

Helô, impossível não se emocionar com tuas palavras. Obrigado por compartilhar conosco essas lembranças maravilhosas, esse depoimento sincero.

Todos nós o amávamos e estamos contigo. A respeito da música, que tu falou em tua postagem, envio-lhe esses vídeos, que ainda não os divulguei. Deixo que você o faça:

http://www.youtube.com/watch?v=F3t9KOYit7A

http://www.youtube.com/watch?v=HGhF5NwVcRA

http://www.youtube.com/watch?v=Ra-iooSorsU


Beijos mil!

Anônimo disse...

Heloisa... Salvarei este texto com o cuidado de uma jóia. Lindo mesmo, especialmente para aqueles que conhecem um pouco da história de vocês. Meu peito ainda doi, mas é a alma que sangra! Beijo. Eldrio

Anônimo disse...

Heloisa,
Me emocionei ao ler teu texto "Meu menino".
O Chicão era realmente como o descreveste: simples, amigo e arrojado.
Beijos Anir

Elis Minozzo disse...

Lindo esse carinho, muito emocionante. Sentimos que ele está em paz e segue seu novo caminho.

Abraços

Anônimo disse...

Heloisa!

Era mesmo assim que que ele era,né? Único! para todos nós, único para os que com ele conviveram e puderam conhecer um pouco o seu jeito de ser, mais ainda: um pouco do seu coração. existem particularidades que só voce ou as pessoas que viveram mais estreitamente com ele podem expressar, mas ninguém mais que tu, para tentar dfinir em palavras este ser especial que deixa marcas na vida de casa um, e boas marcas, eu tenho certeza. Professor, gestor, esportista, integrador de no mímimo dúzias de cidades, ou até Estados, gaúcho, amigo, irmão, camarada! Parabéns pela linda homenagem que nnos emociou mais uma vez, só que desta forma consolando nosso coração, para que ele descance paz, ou siga novas jornadas noutros mundos! beijos
Jaqueline

E Carvalho disse...

Cara FLORYFLOR
Belíssimo texto!!!
Palavras q interpretei como a mais pura exposição de uma alma sincera e que me tomou de uma grande emoção.
Remontei à década de 80, no Estádio do Cruzeiro; naquele cenário admirava aquela jovem senhora demonstrando uma estreita relação de companheirismo e cumplicidade com aquele "menino" grande parceiro, e que hoje é um mito.
Para mim essa foi sem dúvida a maior e mais sincera de todas as homenagens a essa pessoa que não mais existe mas que se supõe real.


"Quando você nasceu, você chorou e o mundo sorriu. Viva sua vida de tal maneira que, quando você morrer, o MUNDO chore e você sorria."

Gde abraço
E Carvalho - Santiago,RS

Anônimo disse...

simplismente emocionante,amor sincero, e eterno.......exemplo de amor e cumplicidade.....que sirva de exemplo à todos nós,hora de refletirmos nossos sentimentos, e quem ama de verdade, sente tudo isso.....